Angropofagia século 21

Antropofagicamente, assimilei um acontecimento recente e fiz um blog, um nikki (日記) - diário em japonês - pós-moderno de fatos, farsas, ficção, relatados através dos meus textos ficcionais. Nele, apresento textos antigos já publicados em alguma mídia, observações sobre o cotidiano, textos atuais e tudo o mais que surgir. bjos a todos que passarem por aqui.

Alterei minhas postagens iniciais porque a nova mídia ainda me faz questionar conceitos como título (de postagem ou do próprio texto?), gênero (o gênero se altera pela mudança de suporte?) e a descoberta da imagem como recurso narrativo.

Por favor, comentem o resultado, talvez provisório e os textos em si.

Aos poucos, a meta é que a linguagem deste blog amadureça, como uma eterna e instigante construção.

sábado, 8 de maio de 2010

Fruição de uma narrativa


Noite de quinta-feira.
Eu, que passei exatos trinta anos temendo (e tremendo) sequer abrir a boca pra ler – porque o som da minha voz em Português evidenciava que a minha ‘brasilidade’ e idéia de ser ‘falante nativa’ era uma farsa – e que, depois de ma malograda leitura do poema de minha autoria “Deglutição”, criei vergonha na cara e aprendi a ler em voz alta (e, no intervalo – cinco anos atrás, n uma matéria com o prof. Édison Costa relaxei e comecei a gostar de falar em público... até virei professora!) – comecei a ler um conto do Leminski. Quase me fiz de surda, que nem era comigo, passando a bola pra alguém mais da sala (porque queria mesmo era ler um dos dois contos com temática japonesa, também dele, que não tinham sido xerocados), mas comecei assim mesmo:
“POIS É O QUE LHE DIGO, caro colega...” Eu ia lendo, e a Sandra Novaes ia rindo, se divertindo com a releitura do texto e com a minha interpretação, e mesma ia lendo e degustando o texto, que é fabuloso, muito bem construído, com alternância de vozes, um interlocutor implícito, suspense!
“...Quando namorava alguma daquelas nossas colegas, sempre tomava cuidado para não olhar muito para os olhos delas. Tinha medo de hipnotizá-las sem querer. Pra que serve uma mulher hipnotizada?”
“Pois esse paciente, posso lhe assegurar, lutava contra a hipnose como se meus olhos fossem machucá-lo. Apresentava o que me parecia ser um quadro clínico normal de traumatismo infantil...”
Não sei se vocês conhecem o conto, mas a leitura ia se fazendo quase à minha revelia, o texto ia se contando sozinho, exigindo uma determinada interpretação, à medida que as palavras se sucediam. Não foi o meu treinamento de ópera, a minha empostação, etc. e tal, que fizeram a coisa acontecer, mas a construção do texto, a composição de elementos; a manutenção e/ou quebra; o narrador confessional em primeira pessoa; a presença do interlocutor (tipo o Dr. do Riobaldo) pra quem o narrador se dirige e que é, metaforicamente, o leitor... tanta coisa acontecendo em menos de seis páginas!
“Continuei utilizando a hipnose, cada vez mais fácil, assim, durma, durma profundamente, meu amigo, logo você vai saber tudo, você logo vai conhecer a paz. Assim, isso; perfeito. Não resista, é inútil, logo vai amanhecer nesse teu inferno. Na nossa segunda sessão de hipnose, senti de novo aquela sensação esquisita de que alguém estava tentando me hipnotizar. Comecei a ficar meio tonto, meio aéreo, a vertigem , a vontade de mergulhar, algo como se uma porta quisesse se abrir, você está me acompanhando?”
Depois de concluída a leitura, este texto parecia uma presença concreta, tal a visualidade da situação exposta: um caso de inversão de papéis em um tratamento por hipnose.

Foi o último conto lido naquela noite.

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